Era um bar estranho e havia muitas pessoas falando comigo. Eu não entendia e não dava a mínima para o que elas diziam. Alguém deu aquela idéia maluca de irmos à casa de um amigo, lá estava rolando uma festa havia dois dias e continuaria rolando por, no mínimo, mais dois. Todos os bêbados que ouviram aquilo decidiram ir. Inclusive eu. E quando chegamos ficamos amontoados em frente ao portão onde uma mulher enorme, velha e muito, mas muito feia nos barrou:
– Para onde vocês pensam que vão, bando de pirralhos? – perguntou a gigante horrorosa.
– Dona Bela! Sou eu Pedrinho – falou o cara que nos convidara.
Encostei-me no muro e fiquei assistindo a cena.
– Pedrinho lindinho? – a criatura conseguiu ficar ainda mais feia ao sorrir.
– Eeehhh... – e o maluco correu em sua direção e lhe deu um abraço apertado de bicho-preguiça – São todos meus amigos, Bela. Viemos encher a cara e animar a festa.
– Hahaha! Você é completamente maluquinho Pedrinho. Manda todos seus amiguinhos pra dentro, guri! – e saiu do caminho abrindo passagem.
Esperei que todos entrassem e só depois comecei a me mexer. Fui passando pelo portão e vi que a 'bela' estava me encarando, prostrada de pé ao lado do portão.
– Ei – berrou a criatura – Ficarei de olho em você mocinho. Não confio em fedelhos com esse olhar – ela esfregava a mão no queixo, como se existisse alguma barba ali.
– Não sei do que você está falando. - respondi.
– Sai logo da minha frente, vai beber e se drogar com os outros. Mas lembre-se! ESTOU DE OLHO EM VOCÊ. Se vier com travessuras... – ela fez um gesto passando o indicador na horizontal pela garganta, o que me fez sentir calafrios e apressar o passo.
A casa era completamente maluca. O muro que a cercava era de tijolo sem reboco todo torto com uns dois metros de altura, o terreno era enorme e a casa parecia pequena e recuada num canto do terreno, o que deixava um beco escuro entre a parede e o muro ao lado e atrás da casa. Ao redor da casa havia um batente da altura dos meus joelhos com meio metro de largura. Bizarro. Senti que a embriaguez havia me abandonado, então sai na caça de algum álcool. Encontrei em um dos vários cômodos um grande isopor cheio de latinhas de cerveja. Escolhi duas delas no isopor e comecei a abatê-las enquanto caminhava entre as pessoas. O som estava ensurdecedor e eu não conseguia entender que música tocava. Vislumbrei uma linda morena, muito pálida com um drink na mão. Vai começar a festa para mim, pensei. Caminhei até ela deslizando lentamente.
– Ola srta. – disse.
– Quem é você? – perguntou a pálida asperamente.
– Não faz sentido.
– O que não faz sentido?
– Quem eu sou não faz sentido nenhum. Qual o seu problema?
– Você é idiota?
– Não sou ninguém.
– Isso realmente, não faz sentido algum.
Ela girou nos calcanhares e me deixou ali com cara de idiota sem sentido. Talvez a festa ainda demorasse um pouco pra começar, mas tudo bem, tinha tudo de que precisava. Álcool. Virei o conteúdo da primeira lata, arremessei por cima do meu ombro direito e me atirei com tudo para segunda. Fiquei assim por bastante tempo, na caça e abatimento daquelas cervejas. Até que fui acometido por uma vontade louca de urinar e decidi procurar um banheiro. Após perguntar a vários bêbados e obter toda a sorte de respostas ridículas e irritantes, encontrei a porta do banheiro. Eu sabia que era o banheiro por causa do aroma de mijo. Bati, soquei e tudo que obtive como resposta foi:
– Já vai! JÁ VAI!
Estava ficando insuportável, decidi que se não conseguisse um banheiro urgente faria em qualquer lugar. Nesse instante me lembrei do beco entre o muro e a casa, no terreno. Sai correndo para fora e a cada passo a vontade de mijar se tornava mais forte. Eu tinha a impressão de que dentro de mim só havia xixi, um mijo desesperado, uma urina louca para sair. Um monte de pele preenchida com urina de cerveja correndo pela casa para a saída. Passei pela porta e fui correndo encima daquele batente. Era minha estrada de tijolos amarelos. Um bêbado transbordando mijo, correndo pela estrada de tijolinhos de ouro. Mas um bêbado correndo não é boa idéia e correndo num batente, menos ainda, escorreguei e caí com a cara no concreto, deslizando e me arranhando até cair do batente e enfiar a fuça na terra úmida. Transformei-me num recheio bêbado com cobertura de bosta, lodo, terra e mijo. Estava exatamente na entrada do maldito beco, mas já era tarde. Tinha nadado, nadado e morrido na praia, um derrotado alcoólico e imundo. Nada de tijolinhos de ouro para mim, apenas mijo, terra, lodo e bosta. Depois de algum tempo me levantei e olhei ao redor, me sentia mais sóbrio do que nunca, então entrei no beco. Não havia mais nada que pudesse fazer, a não ser entrar naquele beco escuro. Sai tateando o muro até que ficou mais iluminado, era a parte detrás da casa. Ali tinha um espaço bem maior, a luz era fraca mas pelo menos tinha luz. Havia uma rede estendida, uma pia com torneira, um tanque e um fio de naylon preso do muro para parede da casa e, estendida nesse fio, estava uma toalha azul muito velha. De repente minha mente iluminou-se, era perfeito, estava a salvo, havia uma luz no fim do túnel afinal.
Tirei rapidamente a camisa, vi que estava suja de bosta, assim como meu rosto e meu corpo. E aquilo, com certeza, era bosta de gente. Amaldiçoei a tudo e a todos e depois lavei minha roupa, meu rosto e todo o resto, enrolei-me na toalha e deitei na rede para esperar que tudo secasse. Bastante tempo se passou e o som da festa chegava baixinho a mim. Comecei a escutar uma discussão vinda do portão:
– Tenho certeza! Essa é a casa de Ney Latorraca, minha fonte me garantiu isso – parecia a voz de uma criança.
– Suma daqui agora sua enxerida! Mesmo que fosse a casa do presidente, você não pode entrar! – era Bela a mulher mais feia em que eu já havia posto os olhos.
– Só quero um autógrafo, uma foto, uma lembrancinha ou apenas ver ele.
– SUMA DAQUI SUA PIRRALHA DO SATANÁS! – a criatura berrava furiosa.
Depois ouvi o estrondo do portão fechando-se. Revirei-me na rede tentando relaxar e procurando uma posição confortável. "Ney La Torraca? Será que estava na casa desse cara? Acho que é algum ator de TV ou qualquer porcaria nesse sentido." É a última coisa que me lembro de ter pensando antes de dormir.
Acordei com um barulho e a vibração na rede que vinha do muro. Alguém estava tentando alcançar o topo do muro para pular para dentro. Depois de algum barulho e algumas vibrações vi braços e uma cabeça de mulher, ou garota... Uma menina conseguiu escalar o muro e pulou para dentro do terreno caindo próximo a rede. Continuei deitado observando aquela cena inusitada. A menina me notou e ficou um tanto assustada. Ela usava um vestido muito leve e pude ver que estava sem calcinha quando saltou do muro.
– Boa noite senhorita – não queria assustá-la, então falei muito calmamente o que pareceu não ter funcionado muito bem.
– Oi... desculpa... é... que... Olha se você quiser, eu pulo de volta, mas não chama aquela velha não, por favor – ela subia e descia suas mãos pelas alças da mochila.
– Não vou chamar, relaxa! Mas você vai ter que me fazer um favor.
– Ok! Tudo bem pode falar! Faço qualquer coisa.
Fiquei um instante olhando para ela em silêncio. Aquele 'qualquer coisa' dela, me fez ficar em dúvida sobre o que ia pedir.
– Quero que busque algumas cervejas pra nós lá dentro da casa. É que estou pelado aqui na rede... sabe? – ela olhava um tanto desconfiada, continuei – Minhas roupas sujaram de bosta, tive que lavá-las e agora não quero entrar lá só de toalha – ela olhou para as roupas naquele varal por um instante e começou a rir.
– Tudo bem, vou pegar cervejas para nós lá dentro. Mas depois você vai ter que me apresentar o dono da casa. Vim aqui porque sou completamente apaixonada por Ney La Torraca.
– Perfeito! Corre lá então, vou esperar aqui na rede. Cuidado quando passar pelo beco, tem um batente cheio de bosta, se você escorregar vai ter que ficar nua na rede comigo.
Ela sorriu, colocou sua mochila no chão perto da rede e correu pelo beco, sumindo. Fiquei esperando por alguns instantes e cochilei. Acordei com o barulho, era um isopor que a garota derrubava ao lado da rede.
– Nossa! Você trouxe isso sozinha – disse, esfregando os olhos.
– Lógico, sou forte como um touro – disse a garota invasora.
– Não poderia ser melhor – ela bebia, era linda, forte como um touro e faria qualquer coisa pra conhecer esse cara.
Abri a tampa e vi latinhas o suficiente para nos levar a nocaute. Alcancei uma para mim e arremessei-a outra. Ela apanhou no ar e abriu rapidamente. Sentou-se sobre o isopor e ficou me olhando enquanto bebia.
– Como ele é? – ela disse após uma longa pausa.
– Quem?
– Quem você acha? – parecia impaciente.
– Mahatma Gandhi?
– ... – continuava me encarando.
– Ah! Claro, claro. Ah... normal.
– Normal? Como assim normal? – colocou sua latinha no chão e ficou me encarando desconfiada.
– Tipo, tem cara de dentista. Parece ser um cara legal, você vai adorá-lo.
– Fique sabendo que ele é lindo, é inteligente, enfim, um artista – tomou um longo gole.
– Viu? Isso mesmo que eu quis dizer. Artista. E você já o viu pessoalmente?
– Não tenho certeza!
Fiquei apenas tomando minha cerveja e admirando seu corpo, enquanto ela vagava em seus pensamentos. Estava sentada sobre o isopor, seu vestido leve pendia lindamente cobrindo suas coxas branquíssimas. Seus joelhos estavam juntos e as pernas soltas desajeitadamente, o que a fazia parecer ainda mais menina. Senti um leve calor sob a toalha, algo estava acordando de um sono profundo, ergui-me e fiquei sentado na rede. Ela acordou de seu transe e me olhou.
– Você vai mesmo me apresentar ele? Não é?
– Claro linda. Que motivos eu teria para não apresentar? – disse isso pousando a mão em sua coxa. Ela pareceu não se importar, ou estar gostando, aproveitei. Deslizei minha mão para dentro de seu vestido e ela me olhou sorrindo.
– Esse isopor está fazendo minha bunda doer. Posso me deitar com você?
Peguei sua mão e puxei-a para dentro daquela rede. Não me lembro de um sexo melhor que aquele. Ela parecia ter sido feita para o meu corpo. Transamos, bebemos e dormimos. Quando a acordei estava confortavelmente deitada em meus braços e me olhava.
– Não conheço Torrada nenhum. - lhe disse calmamente.
– Eu imaginei que não. E o nome dele é Ney Latorraca.
Comecei a ouvir uma música ao longe, me parecia familiar.
– Você não me parece o tipo de pessoa que conheceria ele. Mas foi bom te conhecer.
Esforçava-me por lembrar o nome daquela música, enquanto ela aumentava de volume.
– Ele é um cara importante, sabe? Não traria qualquer um para sua casa.
A música era Mary Anne do Ray Charles, e eu escutava essa música todos os dias pela manhã, como despertador do meu celular.
– Não acho que essa casa seja mesmo dele. Mas se algum dia você o conhecer, jura que vai me apresentar?
Tinha matado a charada. Tentei olhar novamente nos olhos da minha linda invasora desconhecida, mas ela já se desmanchara, não estava mais lá, nem lembrava mais do seu rosto, a sensação de prazer foi vazando lentamente entre meus dedos e em seu lugar havia apenas minha colcha da sorte e meu celular continuava tocando Mary Anne, vibrando e girando furioso ao meu lado.
10 comentários:
Kkkkkkkk!!!Uma coisa interessante é que quando li este seu conto pela primeira vez o nome:Ney Latorraca nunca mais teve uma personalidade desvinculada dele!Muito bom!
Abração meu caro!
Muito bom conto!!! Seguindo seu blog...Se quiser, pode me seguir e volta! rsrs...Té mais!
Se o seu sonho é ser lido e entendido, surgiu um aqui um novo seguidor. Parabéns!
Ri na parte quando vc descreve que estava passando no beco cheio de bosta hahaha, lembrei de um amigo meu que toda vez que bebe ele comete vários micos. Quando li o titulo pensei que era uma critica sobre o Ney Latorraca, mas ficou bem interessante apesar dele não ter aparecido no final rs. Espero que sua invasora desconhecida volte nos seus próximos sonhos.
ah fiquei curiosa e fui vê no youtube a música Mary Anne do Ray Charles, maravilhosa canção.
Abraço.
Obrigadíssimo a todos... Adoro essa canção!!!
hhahahaha gooostei :D
Estou seguindo seu Blog sem medo! ( ;
Abraços.
papeldeumlivro.blogspot.com
Me diverti horrores com essa história, que mistureba dos diabos rsrrs , morena , pálida, torrada ... legal .
esse conto é de um surrealismo tão viceral que empolga! Muito bom!
Olá!
Gostei muito do teu espaço, e estou segundo – te!
“ Pois o que realmente importa é a observação, sem ela o olhar perde a graça...”
Um abraço, Rafah – Blog Eternus!
http://eternizadoempalavras.blogspot.com/
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